Vivemos num Mundo muito às pressas, é difícil pensar, raciocinar....é impossível emocionarmo-nos naturalmente. Tem de vir bater-nos à porta (ao nosso conhecimento) alguma tragédia para que nos sintamos com os pés no chão. "We float" por entre as núvens de um limbo sem sentimentos. Friamente.
Quando damos conta, é mecânico, nós não queremos isso...queremos viver de emoções fortemente positivas e executar tudo fervendo. E a um pulsar do nosso ritmo cardíaco, a uma batida do nosso coração resolvemos algo que ruminávamos há semanas a fio...
Eis uma batida sonora que explode com os sentidos. Lhasa é um praser de ouvir. LR
"Con toda palabra, Con toda sonrisa
Con toda mirada, Con toda caricia
Me acerco al agua, Bebiendo tu beso
La luz de tu cara, La luz de tu cuerpo
Es ruego el quererte, Es canto de mudo
Mirada de ciego, Secreto desnudo
Me entrego a tus brazos, Con miedo y con calma
Y un ruego en la boca, Y un ruego en el alma."
"“La Llorona” é um álbum vindo directamente do México que a cantora conheceu da infância. Do seu aspecto franzino e frágil irrompem sentimentos fortíssimos, crónicas de amor cru, de desgosto que inflama as entranhas, de calor abrasador, de almas crentes. Impressiona a sinceridade, a entrega de uma mulher que parou depois do êxito de “La Llorona” para se juntar às irmãs no Cirque du Soleil. Em “La Llorona”, Lhasa solta lágrimas quentes, murmura com doçura “Te quiero amar/Te quiero amar”. E reza, reza.. ao som das cordas e da água, gotas que a terra absorve como se fossem as últimas a cair do céu, sedenta, ressequida pelo sol ou pelos cascos de cavalos em contínuo galope. O som de Lhasa soa a fado. Os instrumentos são imensos, mesclados de forma harmoniosa, imbricados em camadas finas e delicadas de música romântica, daquele romantismo passional que motiva ciúme e paixão, que motiva sangue e fogo. Como um rendilhado feito de poeira e cheiro a terra seca, a guitarra acústica é dedilhada de forma discreta, acompanhada de cordas doces e lamentosas, doridas. Os coros, quando os há, são fantasmagóricos, como uma miragem que surge por momentos no deserto (como em “De Cara a la Parede”). A voz de Lhasa é sofrida, frágil, quente, ora chorando ora rompendo o silêncio com firmeza, cavalgando a aspereza e rudeza do amor carnal. Por vezes, as cordas transportam-nos para a Irlanda, para os Estados Unidos ou para a Turquia, tais são as suas variações e riqueza. E depois o deserto… o deserto colmata todas as faltas e serve de santuário, de confessor. É aí que Lhasa expia as marcas, a dor de um amor que já acabou. Em “El Desierto”, surge uma das mais belas ideias do álbum, pura poesia, inspiradora. “Porque el alma prende fuego cuando deja de amar”…. É impossível não nos emocionarmos a ouvir as palavras e o sentimento intenso que Lhasa passa na sua voz. Mas a cantora também envereda pelas doces baladas, indelevelmente marcadas pelas tradições musicais mexicanas. Parece até que esta influência, tão enraizada em Lhasa, se começa agora a desvanecer um pouco mais, em “The Living Road”. Em “Por Eso me Quedo” quase a imaginamos sentada à soleira de uma porta aberta, suportando o calor abrasador do deserto, acompanhada de um guitarrista de pele queimada pelo sol, cantando para os seres solitários que procuram um lugar para expurgarem a alma. Lhasa vai muito para além da musicalidade de raízes mexicanas, a própria lírica está eivada de influências ao nível do imaginário. Isso está bem visível em “De Cara a la Pared” e no magnífico “Los Peces”, este último tema dos mais eléctricos em concerto. É fantástico e precisamente aqui podemos ouvir um excerto muito próximo da música dos Madredeus. É apenas um pequeno aparte até porque a música, um tradicional mexicano, é muito mais que isso, é uma paleta imensa de instrumentos, o clarinete flutua como um louco, quase sem direcção, o acordeão junta-se mais para o final para ajudar à apoteose explosiva do tema, o ritmo acelerado até não mais e a música termina como fanfarra. Em “La Llorona”, Lhasa voa, voa como “El Pájaro”, um voo em direcção ao abismo, rodopia sobre ele, sem cair, sentindo o vento e o perigo com intensidade… “Pajarillo, tú me condenaste/ A un amor sin final”. Um amor sem fim, como um abismo. É um tema maravilhoso, a voz de Lhasa assume contornos de desespero, de entrega profunda, como em nenhum outro tema. É dos mais belos de “La Llorona”. Uma entrega quente de uma alma fogosa, cheia de paixão, de sofrimento, de desgosto e força. Esta é, pelo menos, a personagem que Lhasa constrói em cada uma das letras que escreve. Como que sempre com o coração nas mãos, Lhasa encarna o espírito, os sentimentos de outrora, como já não se sente hoje… “No, ya no se canta/ «Sin tu amor me moriré»” (“Mi Vanidad”)."
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