quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Nirvana de Miguel Torga



Anteriormente me defini amante de Miguel Torga, me considero sua fiel confidente já que li seus diários afincadamente e há poemas ainda que me habitam um dos lados do cérebro, como é o caso de Nirvana. Quando alguém me fala em montanhas, vem-me imediatamnente à boca o poema inteiriço sem que eu o queira declamar (mas apenas ouvir com a minha voz, para o considerar meu) e vai até ao fim sem que eu o possa parar: "Asas nos pés e o céu desnecessário" e ponto final.

"Paz nas montanhas, meu alívio certo.

O girassol do mundo, aberto,
E o coração, a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário."
Diario VII de Miguel Torga

António Variações Sempre Aqui.



Esta música de António Variações é tudo. É pelo poema, é pelas palavras, é pela música é pelas imagens saborosas que a música sugere, pelos odores que lembram o outro lado do mediterrâneo. Amo demais os deste lado mas não posso tirar os 20 anos que vivi como um fóssil na terra. É como se lembrasse aqueles antigos que sabem apenas pelo soprar do vento como vai ser o dia de amanhã. Aquela visão deitada do circulo verde que rodeia o nosso mundinho - quando estamos deitados no meio da erva é só o que se vê por lá circulando um céu também circular como uma gema e profundo.
Ei-la a música que acabo de "re-play"10 vezes e poderia ouvir outras 10 e depois outras 10 e assim por diante...

"Só eu sei que sou terra

Terra agreste por lavrar
Silvestre monte maninho
Amora fruto sem tratar

Só eu sei que sou pedra
Sou pedra dura de talhar
Sou joga pedrada em aro
Calhau sem forma de engastar

A interpretação é o que quiserem dar
Não tenho jeito p'ra regatear
Também não sei se eu a quero aumentar
Porque eu não sei

Porque eu não sei se me quero polir
Também não sei se me quero limar
Também não sei se quero fugir
Deste animal, deste animal

Também não sei se me quero polir
Também não sei se me quero limar
Também não sei se quero fugir
Deste animal, que anda a procurar

Só eu sei que sou erva
Erva daninha alastrar
Joio trovisco ameaça
Nas ervas doces de enjoar

Só eu sei que sou barro
Difícil de se moldar
Argila com cimento e saibro
Nem qualquer sabe trabalhar

Em moldes feitos não me sei criar
Em formas feitas podem-se quebrar
Também não sei se me quero formar
Porque eu não sei

Porque eu não sei se me quero polir
Também não sei se me quero limar
Também não sei se quero fugir
Deste animal, deste animal

Também não sei se me quero polir
Também não sei se me quero limar
Também não sei se quero fugir
Deste animal, que anda a procurar"

Para ouvir "erva daninha" é só seguir o link:
http://www.youtube.com/watch?v=iT7XOrNsEJU&feature=player_embedded