segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Poemas em pó de talco de Paula Rego


"Ela é tudo e mais um pouco
Ela é linda e tudo o mais
Ela é a paz
Alegria suprema do momento
Melhor acontecimento
Esperança que se refaz

Veio numa manhã de terça-feira
Plena de luz, de sol e de cor
Trazendo fé, renovo e brincadeira
Trazendo força, leveza e amor
Leve, linda e toda faceira
Cheirando a leite, talquinho e flor

No dia de tua chegada
O mundo girava diferente
Havia borboletas em revoada
Havia brilho em toda gente
Nascia a criança mais esperada
E o céu mandava seu melhor presente

Chegou suave como brisa
E doce como um querubim
Foi no dia em que nasceu Luísa

Que Deus apareceu pra mim."

"Memória de um silêncio eloquente" de Elisa Lucinda

Quando perdoar é uma virtude divina que nos é soprada no ouvido. Nos diz: É importante perdoar sempre para soltar essas sombras de nós. E se aprendermos o porquê do perdão, saberemos usá-lo como notas de música na flauta da nossa vida. Cada nota um buraco que temos de tampar com os dedos. Assim se vai ao longo do canudo que está em nosso poder e que guia nossas emoções: "correm nos meus dedos fios de cera, correm nos meus dedos fios de aço" diria eu. É só escolher.

"Para ti
sempre tive um infinito
estoque de perdão.
Só para ti
perdoei mais que suportava,
mais do que pude.
Minha cerca-limite era sem estatuto,
não tinha um não delimitando nada.
Fui perdoando assim de manada
e muitos erros desfilaram me ferindo,
nos interferindo silenciosos,
sem ninguém denunciar


Perdoa a dor que te causei,
é que você estava há tempos me machucando
e eu não gritei."

Poemas de manifesto por Paula Rego: "Toquem fogo em todos os jornais"

"Parem a contagem do tempo
A página de hoje não pode virar na folhinha
Não é o momento
Não é a hora
Não há de ser agora
Num lugar seguro, escondam a minha madrinha

E se por acaso Deus não desistir
De fazer com que o amanhã nasça
Por favor, alguém me avise
Que eu irei pessoalmente intervir
Argumentar, espernear, pedir
Para que não aconteça esse deslize
E que pelo menos uma vez na vida
A vontade Dele não se faça

Se ainda sim o dia nascer
Se ninguém conseguir evitar
Se nem o desespero conseguir comover
Só não deixem-na chorar
Só não deixem-na sofrer
Isso caberá somente a nós
Se de fato Ele calar
Aquela que era a nossa voz

E no dia que não podia ter sido verdade
Alguém quebre as tevês
E toque fogo em todos os jornais
Expliquem-nos os por quês
Dela não ter ficado mais
E de terem emudecido de uma vez
Essa nação, esse país, essa cidade."


(Escritos e flores de Paula Rego para sua madrinha Cleyde Prado Maia)

Contos da realidade de Paula Rego: "Chorar com o coração hasteado a meio"


"Saltou do táxi e passou chispando pelos curiosos na entrada do hospital. Entrou, via a recepção, as pessoas, a comoção e nada ao mesmo tempo.Escadas, só escadas a levavam para onde jamais pensou em pisar. Queria chacoalhar aquela gente que sofria lá fora, lá embaixo, nos corredores dizendo: Surpresaaaaaa, está tudo bem!

Mas era impossível. Não estava. Subia e subia mais e aquele CTI nunca chegava.
Ao alcançar o terceiro andar, abraçou algumas pessoas e foi conduzida àquele lugar que abrigava expectativas, esperanças, desejos de melhora. Pros outros. Para ela abrigava desengano, fracasso, areia movediça.
Entrou e queria gritar. Era o primeiro leito e sua mãe estava morta. Viva artificialmente, mas morta oficialmente. Chorou, chorou, quis gritar. Mas para quem? Para quê? Para Deus ouvir? Ele teve a noite inteira para ouvir aquela revolta e nada fez.

Quis bater nos outros pacientes, afinal, qualquer um ali podia estar morto, menos a mãe dela. Como ousavam olhar pra ela com cara de pena??Sentiu ódio por longos minutos, de ver as pessoas ali com pretensões de vida, saúde. Teve vontade de desligar todos os aparelhos, explodir os balões de oxigênio, quebrar tudo, puxar tudo das tomadas. Sentiu inveja da vida alheia. Mas não podia fazer absolutamente nada. Do lado do leito 1, havia uma gigante janela de vidro. Queria quebrá-la para mostrar a todos como se sentia: despedaçada. Queria bandeiras a meio mastro. A primeira página dos jornais ela já tinha, porque sua mãe era uma pessoa tragicamente pública. Mas ela queria que as pessoas sentissem a dor dela. Impossível. Era dela apenas.
Queria contar pro mundo numa inútil tentativa de acordar do pesadelo que a vida estava impondo. E do qual ela nunca mais sairia.E seu coração, esse sim, hasteado a meio mastro no meio do peito, levando pouco ar que restava".