quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Corte Seco a não perder!



Em cartaz no Teatro Sérgio Porto. Recomendado a gentes do teatro, a psicólogos, eruditos, filósofos e pessoas quaisquer que apreciem o ouvir uma ou várias boas histórias bem interpretadas. Uma areninha de feras onde o público participa em estilo voyeur e onde o público, você mesmo, se joga dentro dos cortes a seco de cada personagem. É a sua história que está ali escrachada e você teme, como público, que seus segredos sejam desvendados. A diretora, sempre presente, define o ritmo da cena com suas demandas. Exercício de poder que todo o diretor deveria executar durante a apresentação de seu espetáculo, como o maestro que define o escorregar da música nos dedos da orquestra. E isso é emoção.LR

"Secos e inesperados como a vida" por Jefferson Lessa
"Uma das inspirações assumidas de “Corte seco”, peça escrita e dirigida por Christiane Jatahy em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, é o filme “Short cuts”, de Robert Altman. A outra é o livro “Passagens”, de Walter Benjamin. Como o filme, a peça nos coloca diante de um mosaico formado pelas vidas de diversos personagens. E fragmenta essas histórias com cortes rápidos — no caso, determinados pela própria autora e diretora, que está presente em todas as apresentações. E, como as célebres passagens comerciais parisienses, os cortes levam personagens e espectadores por desvios, atalhos que chegam a destinos inesperados — ou não chegam a lugar algum. Christiane se coloca no lugar de Deus, controlando, do alto, as vidas de suas criaturas.
Cortes expõem o processo de criação teatral
Funciona assim: atores começam a desenvolver uma história. Munida de um microfone, a diretora diz um número qualquer, interrompendo a ação para que outros atores comecem uma outra história. Que será igualmente interrompida quando Ela determinar. As histórias recomeçam quando a diretora ordena, e nem sempre chegam, necessariamente, a um fim. Os tais cortes secos expõem, assim, de maneira incômoda, o processo de criação teatral. Talvez a sensação venha da exposição da transitoriedade da própria vida, sempre pronta para ser interrompida por um corte qualquer, à revelia do freguês. Logo no começo do espetáculo, há várias cadeiras no palco. Colados nos encostos, estão verbos como Narrar, Interiorizar ou Descrever, determinando o que o ator deve fazer quando sentar em tal ou qual cadeira. Essa determinação também vai sendo diluída à medida que o tempo avança, até ser completamente esquecida e abandonada. Tentativa de dar alguma ordem ao caos? De domar o que não pode ser dominado? Talvez. “Corte seco” propõe muito mais perguntas que respostas. A improvisação também é parte importante do espetáculo, embora não seja a linha principal adotada pela direção. E os toques de realidade, que podem mudar em função das notícias da semana, confundem-nos ainda mais: o espectador nunca sabe se está diante de uma história real ou inventada. É preciso ressaltar o uso inteligente e jamais gratuito da técnica. Câmeras acompanham as partes da ação que se passam fora da cena, em áreas externas ou em outras salas do centro cultural. O uso do recurso é discreto e sempre adequado. A cenografia de Marcelo Lipiani é moderna e original, bem como a música de Rodrigo Marçal. E o trabalho dos atores, todos, é impecável. Ainda mais quando sabemos da imensa tarefa a que se propuseram, de saber todos os papéis para estar sempre prontos a começar no momento determinado. Enfim, em um mundo tão fragmentado, de relações tão fugazes e escorregadias, em que nada parece ser para sempre, “Corte seco” deve ser visto e revisto o quanto antes."

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