segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um Grotowski para me entender com a antropologia teatral.

Seria quase impossível eu não escrever mais alguma coisa, fiquei me movendo na cadeira até saber o porquê de escrever mais sobre este assunto. Essa "alguma coisa" resume horas e horas a fio que passei trauteando seu trabalho físico no salão nobre da Assembleia Figueirense há uns anos idos, eu estava entre os 13 e os 14 e ainda não entendia bem essa história de ações físicas mas minha "mente aberta"  dizia que deveria executar aqueles movimentos desconexos até à exaustão, e depois repetir e depois fazer frases de movimento e depois coordená-las com outras e depois sonorizá-las e depois mostrá-las a uma platéia em arena e me comover com sua percepção. E tudo vinha de dentro de cada um, da experiência, das vivências, dos traumas, da felicidade, das memórias, dos medos para uma superação. Lembro-me de criar um toureiro, depois um exército de formigas fazendo um cortejo, vi campos de arroz e desenhos de fenix, criei uma trilha de "comboio" para tornear minhas emoções quando já estava num limite, e se dizia "trabalha em cima do cansaço", o corpo responde. Meu grupo de trabalho estava além de mim uns 10 a 20 anos, eu era a "pequena pupila" mas era incansável em dar o corpo à luta. Apresentámos nosso espetáculo uns sete ou oito meses depois e umas centenas de horas de corpo maltratado e musculado pelo treino. Esse mesmo corpo são e feliz com os resultados a olhos vistos, com a experiência de "voar" sem asa. E foi essa minha incursão na arte de representar. Depois disso lembro-me dos múltiplos ensaios já no Teatro Anú, no romântico Teatro Trindade da Figueira da Foz. Percorríamos os camarotes como feras de circo e dávamos àquela comunidade de pescadores, lá bem no alto, o que eles chamavam de pudor. E nos assistiam atentos, nossa platéia lotava e até a saudosa atriz Adelaide João nos veio prestigiar.
Na visão de Grotowski, o fundamental no teatro é o trabalho com o público, não sãos os cenários e os figurinos, a iluminação, os escapes em forma de adereço. Estas coisas são apenas "armadilhas", se elas podem ajudar a experiência teatral são desnecessárias ao significado central que o teatro pode criar.
Nós trabalhávamos com poucos artifícios, segundo meu professor e "mestre", José Abreu Fonseca, líder da Companhia Teatro do Morcego - Laboratório Oficina de Coimbra, o teatro pobre de Grotowski significava eliminação do estético e do desnecessário, deixando o ator vulnerável e sem qualquer artifício. Nosso cenário era reduzido a um quarto forrado de "jornal do dia", as vestimentas eram simples de forma a valorizar o corpo, usávamos pequenos objetos simbólicos que seguiriam em cena como um objeto que evolui no tempo, que se transforma como um campo de trigo ao longo das estações do ano.
Não existia o "preto" porque é a cor da anulação e da neutralidade, focávamos nossa atenção no fauvismo das cores.

"Homem Arbore" meu monólogo, no Teatro do Morcego - Laboratório Oficina, Coimbra.
O método era quase sempre formatado no início da sessão, começava pelas acções físicas, os exercícios plásticos, o isolamento de cada um por si só. Após esse primeiro momento (que poderia demorar horas) partia-se para o segundo da improvisação individual e depois coletiva onde nossos corpos viravam uma massa chamada de "choldra" que poderia começar num braço de um e acabar na face de outro numa espécie de aglomerado de corpos.

Trabalhávamos artes marciais e métodos de dança clássica e étnica. A área de representação era ilimitada mas havia sempre um ou outro objeto que marcava esse limite. Nada nesse palco infinito era feito ao acado nem usado como enfeite, nada era supérfluo. Usávamos já um equipamento de luz e som de luxo (apesar desses conceitos todos), trabalhávamos com banda ao vivo e era tudo meticulosamente estudado para que o ritual acontecesse em comunhão com o público e no final sintetizando tudo, o teatro como a "arte toda", a síntese de todas. Assim se criava uma poética, que ao contrário do está escrito e mal entendido por algumas cabeças duras, era uma arte rica e com glamour.

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