quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Eugenio Barba, a minha viagem à Dinamarca em 2001

NA DINAMARCA
Como qualquer pesquisador que pretende entender as raízes da questão, resolvi que teria de me encontrar com os mestres para entender a sua "mestria", daí que só compreendi Eugenio Barba quando estive num dos seus estágios intensivos e inesquecíveis.

Compreendi que o contacto é a melhor forma de aprendizagem, quando podemos "respirar o assunto".
Um pouco sobre Eugenio Barba:

Desde cedo, Eugenio Barba, aprendeu a observar com acuidade, observou o andar, o movimento das mão, maneiras de olhar..., esta faculdade da observação surgiu, tal como diz, por ele ser basicamente um estrangeiro, na vida e na arte. Na vida, pois como Italiano de origem, veio ainda cedo, aos 17 anos, a emigrar para a Noruega, e a sua dificuldade com a língua e os costumes, levaram-no a desenvolver a habilidade de entender sem o recurso das palavras, o que as pessoas que o circundavam sentiam: repulsa, amor, amizade, compaixão... Ele é um estrangeiro na arte, porque como veremos, preservou este distanciamento que a vida o conduziu, no seu ofício, o teatro. Avalia-o com os olhos, o que o distancia do olhar tradicional.
Deste modo, ao longo da análise a que me proponho, tentarei demonstrar, que este viés empírico, o infortúnio da saída de sua terra natal, Itália, aliada à procura existencial - o «quem sou Eu?» - define o seu trabalho e as suas ideias.

Eugenio Barba é sem dúvida um «teatrólogo», graças ao seu desempenho na companhia Odin Teatret - Nordisk Teaterlaboratorium que fundou em 1964 na cidade de Holstebro, na Dinamarca veio a ter reconhecimento internacional. Não é propriamente um teórico, mas um prático que reflecte sobre sua acção, mais especificamente a sua profissão, o teatro. Ao longo da sua vida, foi definindo conceitos, demonstrando sempre, que são conceitos práticos, podendo assim, sofrer mudanças, estes não se ordenam num todo coeso, num sistema. Contudo existe um rigor, o qual tentarei nas passagens posteriores colocar, criando a imagem do primeiro plano, a linguagem própria ao teatro, e do plano de fundo, a redefinição da identidade profissional.

Ao longo de sua vida, Eugenio Barba, luta para as criar as suas "ilhas", "aldeias", onde espera preservar uma ideia de fazer teatro, no qual a identidade do actor e do seu grupo estão em primeiro plano, em oposição ao teatro tradicional, produto pasteurizado, consumido em massa, supondo um público também pasteurizado, o que aliás a Europa como centro do capitalismo é um óptimo exemplo, onde o actor é funcionário de uma companhia teatral, nos moldes de um operário assalariado, e onde sofre do mesmo processo de alienação ( perda do conhecimento global de seu ofício, inversão de posição de sujeito para objecto dentro do contexto cénico, entre outros.)
E. Barba, vem consequentemente, na mesma direcção dos grandes actores e directores do século XX, que reagiram a este processo que culminou com a inserção completa dos actores e da arte, na maioria, num sistema onde perdem a identificação ou raiz, processo este semelhante ao qual passou o operariado no mundo industrial. Identifica-se com outros grupos de "vanguarda e revolução" pelo mundo fora, tentando preservar a própria tradição do seu ofício. Por isto mesmo, vanguarda ou revolução não é derrubar ou destruir ou combater simplesmente, mas também recuperar um tipo de representação que foi deslocado para um campo marginal e que bem pode ser o teatro clássico, no sentido mais restrito possível ( pré-indústria cultural ). Eugenio Barba diz-nos "... vanguarda podem ser também, aqueles grupos que ao longo da história do teatro, reagiram contra a tradição, indo inspirar-se nos clássicos, no teatro grego, ou romano."
A chamada vanguarda para E. Barba está relacionada a um tipo de teatro revolucionário, que como ele nos diz, por analogia, como o nosso mundo quotidiano está para o mundo atómico. Do nosso mundo tão conhecido, tão acessível, para um mundo que exige um novo aparelho conceptual, uma nova forma de pensar. O Teatro de Eugenio Barba tem a tendência de se distanciar do teatro tradicional, como distante estão ..." as ideias de Newton em relação as de Bohr " no tempo e no espaço.
O tema Antropologia Teatral, visa enfeixar os diferentes conceitos e princípios, que permitem, segundo E. Barba, dotar o actor, enquanto objecto principal das suas preocupações, da capacidade de controlar os seus instrumentos, de "vestir ou despir-se" das suas personagens conscientemente e de um modo belo e atraente. Ou seja dotá-lo de técnica e conceitos que o aparelhem a fazer frente a uma realidade que de um lado o aliena (enquanto operário no teatro), gerando no seu trabalho uma mudança de valor, de um actor que reproduz uma arte que E. Barba contesta, para um actor dotado de "Identidade". Superando assim os limites de uma perspectiva que se pretendesse apenas resumir algumas técnicas cénicas.

A relação de E. Barba com Grotowski:

Após ter assimilado com o seu amigo Jerzy Grotowski os conceitos e técnicas básicas de um teatro crítico, de laboratório, que ele denomina de vanguarda, E. Barba deixa Varsóvia em direcção à Ásia. Ali, viaja seguidamente pela China, Índia, Tailândia, Bali... onde viria a refinar as ideias acima expostas, das diferentes categorias de encenar, bem como se depara com novos recursos cénicos, que como exporei mais adiante, o levarão a repensar o próprio conceito de Teatro. Na Ásia encontra uma arte tipicamente clássica, nos moldes do "Pólo Norte" quanto a elementos actuando no mais perfeito sentido de "Pólo Sul".
E. Barba, percebe no movimento em cena de um artista do Teatro Nô, Japonês, um subtil movimento das mãos, e acompanhando os dedos, observa o equilíbrio e a suavidade dos movimentos, impossíveis de serem obtidos sem muitos anos de exaustivos treinos que um actor do "Pólo Sul", jamais atingiria este nível.
Nos seus diálogos descobre um intenso treino de equilíbrio de postura, da posição da coluna em relação ao tronco, do leve arquear dos joelhos, reforçando este desequilíbrio, e remetendo o peso do corpo para a base do pé. Observou que algo parecido ocorria com seus actores também. Lembrou-se das aulas de Teatro que assistira em Copenhaga, e das aulas sobre o caminhar, a procura de um novo equilíbrio, que deveria ser o utilizado pelo actor, diferentemente do andar comum. Com o passar dos anos, chamou este momento que antecede a interpretação de «pré-expressividade». Anterior à expressão, que permite que a expressão ocorra sem cortes, límpida e cristalina, este momento é comum a todas as escolas e tradições cénicas. O equilíbrio corporal será assim o seu primeiro princípio. Contudo é preciso dispor as várias técnicas num vector teórico, a saber a diferença entre o saber quotidiano e o extra quotidiano (teatral).

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